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quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Papoulas Vermelhas: Luas Carmins



Amigos, fraternos:


Há dois dias atrás faleceu uma jovem a qual estimava bastante, vítima de acidente de transito e da vida em si. E  como forma de curar um pouco a minha melancolia segue um texto que foi escrito por mim no mês de junho passado. Esse texto é uma reflexão para todos nós "humanos, demasiadamente humanos"


Bjs Lailma Sheula Lemos ,
e adeus  Cicinha. Saudades!!


Foram as papoulas vermelhas que vi naquela tarde no cemitério. Era a primeira fez que ia a um funeral de um adolescente. Eu ,tinha 10 anos, ele 12. Meus pais moravam em uma boa casa, num bom bairro, com comida , afeto , e tudo mais que uma boa garota de família poderia desfrutar .
Ele, era pardo , pobre , morava em um bairro proibido para nós, garotas e garotos de família, não tinha pai,apenas mãe, que por coincidência a minha mãe tinha alfabetizado.
Lembro-me que chegara da escola e vi o tumulto na rua, pessoas em frente a minha casa: estranho? pensei ! Desci a pequena rampa e entrei. Logo,minha mãe me explicou: -“Não se assuste, foi um “trombadinha” que estava apanhando na rua e sua cunhada resolveu acudi-lo. Mas,não chegue perto dele”.Com ares de aflição !!
Bem, naquela  época minha cunhada morava conosco , na verdade em cima de minha casa, e ficou impressionada com o nível de violência que a população deflagrava contra aquela criança. Eu não entendia muito bem o  porquê de não poder chegar perto dele,se na verdade, ele era uma criança como eu.
Lá fora as pessoas gritavam: “ deixe esse marginal sair!!” . Não me lembro  qual era o motivo da raiva dos populares, lembro-me apenas do olhar dele para as coisas de casa, como se estivesse num lugar tão estranho à sua realidade.
A saída dele foi conduzida por um amigo da família que para amenizar os ânimos do povo que estavam lá fora  o levou até a casa de sua mãe, naquele lugar proibido para garotos e garotas de família como eu.
Os ruídos ficaram: “ele é um drogado, rouba, mal educado, sujo, pobre... não é de nosso nível...” mas, afinal que nível era o nosso ?? o nível do desconhecimento? do descaso com a pobreza ?? Penso hoje que sim...
Após algum tempo, ele foi morto ou morreu, não lembro bem, sei apenas que seu corpo foi encontrado em baixo da marquise da ponte próxima a nossa casa.
Minha cunhada perguntou numa tarde se eu gostaria de ir ao enterro do garoto, pois a mãe dele, grata pela ajuda que demos, veio avisar de seu falecimento e sepultamento. Eu fui, até por curiosidade e lá tinha poucas pessoas. Numa cova rasa, no chão barrento o enterraram! Diferente do túmulo de nossa família, cuidado religiosamente,com flores coloridas num jarro de vidro,com uma cruz em mármore e com azulejos, que sagradamente eram limpos toda semana, pois, era um hábito de nossa família cuidar da morada dos nossos mortos.  
O dele, não tinha cruz, uma vela e eram as papoulas vermelhas que ficava próximo a sua cova que mercaram a minha memória. Vermelhas carmim, como seu sangue!
Hoje são tantos outros refletidos nessas papoulas, tanto carmim derramado em vão... São esses, pardos, negros, meninos e meninas fruto de um legado perverso. Ah Freud, qual é o ópio do mundo ???
Eu, não sou mais a garota que chego à tarde da escola, nem tão pouco a garota de família que eles pensavam. Vou até os locais que foram para mim proibidos, e vejo que lá tem pessoas como eu!! Que sofrem , sentem , e amam!
A tarde, vou enterrar mais um garoto. Não sei se haverá flores ou velas em seu túmulo. Passamos anos tentando “recuperá-lo” e não foi suficiente... ou será que não fomos suficientes?
Descanse amigo dessa maldita vida, e o que posso fazer por você agora é rezar e cometer o pecado do sacrilégio de mudar minha oração :

“Pai nosso que estais no céu, eu sei que santificado é seu nome, por favor venha aqui um instante...
Deixe um pouco teu reino, e mesmo que seja a sua vontade aqui na terra como no céu , por favor me console!
 O pão nosso de cada dia, nós dê hoje , a mim e a todos, sem discriminação...
Perdoai essa minha ofensa, e minha raiva , meu descaso,
Olhei por ele que se foi, e nos livra-nos de nosso mal ...

Amém .
À Luiz , com carinho ...
30/06/2011

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Luas de Quíron
Jaboatão dos Guararapes, PE
Na verdade Quíron é uma figura Mitológica representada por um centauro: Metade humana, metade animal. Sua metade animal é um cavalo . Os centauros eram figuras perversas, mas não Quíron, que transmuta sua essência e possibilita a contra-referencia de nossa "humanidade". Quíron, simboliza até onde somos Humanos e até onde somos animais .
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